Porto Alegre terá centro inédito na América Latina para atendimento a doenças raras

Por Gabrielle Pacheco

O coronavírus colocou países em alerta, impôs quarentena e causa medo. Pouco se sabe sobre ele, ainda não há vacina aprovada, e os tratamentos são experimentais. Porém, enquanto cientistas e médicos do mundo inteiro colocam a Covid-19 no centro das atenções, milhares de outras doenças raras também possuem diagnóstico difícil e tratamento restritos e caríssimos.

Viver com esse tipo de condição não é nada incomum: é a realidade de 13 milhões de brasileiros, segundo levantamento do Ministério da Saúde. O geneticista Roberto Giugliani explica que as doenças raras contemplam 8 mil patologias catalogadas no mundo. Atingem no máximo quatro em cada 6 mil pessoas, sendo 72% delas com origem genética.

“O desafio talvez seja maior do que enfrentar o novo coronavírus, mas pouco se fala no assunto.”

Segundo o médico, os estudos mostram que o tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico das doenças raras é de mais de quatro anos, na maioria dos casos, podendo chegar a 20 anos. “Muitas vezes, esse período é decisivo, seja para evitar sequelas, seja para salvar a vida do paciente”, destaca.

A Casa dos Raros

Giugliani é um dos idealizadores da Casa dos Raros, iniciativa inédita na América Latina que deve ampliar o acesso ao diagnóstico rápido e preciso, garantir tratamento e fomentar as pesquisas. O Centro de Atendimento Integral e Treinamento em Doenças Raras está sendo construído em Porto Alegre pelo Instituto Genética para Todos e pela Casa Hunter, organizações da sociedade civil que desenvolvem projetos nessa área.

As obras iniciaram neste mês, e os trabalhos devem ser concluídos até o final de 2021. O local, no número 722 da Rua São Manoel, terá 1.600 metros quadrados. Serão duas torres com quatro pavimentos e estrutura de consultórios, dois laboratórios (um para diagnóstico, outro para produção de terapias avançadas), salas para os mais variados tipos de tratamentos, além de espaço para eventos e treinamento de profissionais.

O projeto é ousado. Entre os equipamentos, está um espectrômetro de massas em tandem, capaz de identificar moléculas que outros exames não captam e que permite identificar até 70 tipos de doenças raras. Terapia genética e tratamentos de última geração também serão oferecidos, além de contar com a expertise de equipe multidisciplinar altamente capacitada que orientará profissionais em centros remotos por meio da telemedicina.

“Além de atender os raros e seus familiares, temos de auxiliar os profissionais da área. Muitas vezes, até para os médicos é difícil identificar quando um paciente tem uma doença rara.”

O geneticista acrescenta que a Casa dos Raros de Porto Alegre será um piloto. O plano é, nos próximos anos, abrir centros com esse modelo em diversas regiões do Brasil.

Duas décadas de angústia

A gaúcha Deise Zanin, de 35 anos, é uma das pessoas que possuem doença rara. “Passei mais da metade da minha vida até aqui sem saber o que eu tinha. Fui de médico em médico, tive diagnóstico errado, de artrite reumatoide”, conta. Só aos 20 anos, ela foi diagnosticada com Mucopolissacaridose do tipo 1. À época, o Brasil não tinha tratamento para isso.

“Receber esse diagnóstico foi bem importante, mas ao mesmo tempo assustador.”

Mas Deise teve sorte: foi convidada a participar de um estudo para testar uma terapia de reposição enzimática. Desde então, ela recebe aplicações da enzima que ela não produz. São sessões de quatro horas, a cada quinze dias. Ela depende da rotina médica, consultas, equipe multiprofissional e idas ao hospital para o tratamento, além de conviver com limitações físicas às quais precisou se adaptar.

Hoje, ela preside o instituto Atlas Biossocial, uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que atende pessoas com doenças raras, graves e crônicas. Deise está otimista com o projeto da Casa dos Raros e avalia que a iniciativa pode mudar a vida de muitas pessoas. “A assistência aos raros no Brasil avançou nos últimos anos, mas ainda é limitada e está longe do ideal. A gente precisa de políticas públicas e investimentos no setor de saúde que assegurem o diagnóstico precoce e protocolos clínicos de diretrizes terapêuticas para agilizar, ampliar e melhorar a distribuição dos medicamentos e o tratamento multiprofissional. Isso é essencial para garantir um direito básico a esses pacientes: viver. E viver com qualidade de vida”, conclui Deise.

Atendimento para todos

A Casa dos Raros estará à disposição de todos os pacientes que precisarem de atendimento, seja particular, por convênio e também quem não tem condições. Roberto Giugliani ressalta que o modelo está em definição.

“Ainda estamos desenhando esse fluxo. Mas ninguém ficará sem atendimento porque o nosso objetivo é justamente ampliar o acesso ao diagnóstico e tratamento.”

O atendimento na Casa dos Raros iniciará com uma entrevista com equipe multidisciplinar. Depois, será feito o encaminhamento para o diagnóstico. Com o resultado, os raros serão orientados sobre o tratamento, preferencialmente em centros de referência. Os médicos responsáveis por esses pacientes receberão treinamento e o suporte para lidar com cada caso.

Saiba mais

Doenças raras são definidas pela prevalência. No Brasil, são aquelas que atingem 65 pessoas em cada grupo de 100 mil habitantes. Ao todo, 72% são genéticas. As 28% restantes são formas raras de câncer, doenças infecciosas raras e condições imunológicas ou endócrinas. Na maioria das vezes, os sintomas iniciam na infância (80%), mas os pacientes demoram a ser diagnosticados.

Foto: Divulgação | Fonte: Assessoria
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