A Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM) e a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) alertaram recentemente para o fato de que, de uma maneira geral, pacientes com diagnóstico de alguma Síndrome de Predisposição Hereditária ao Câncer (SPHC) apresentam o mesmo risco da população geral para se infectar pelo coronavírus. A orientação aos pacientes com câncer que necessitam do teste genético para determinar condutas terapêuticas é de que a coleta dos testes seja realizada preferencialmente a domicílio, por meio de kits de saliva, para evitar o contato com outras pessoas. O conteúdo também sugere postergar a realização de exames de rastreamento em pacientes portadores de SPHC ou minimizá-los ao máximo até a resolução da pandemia. A realização de cirurgias redutoras de risco deve ser, sempre que possível, postergada até a resolução da pandemia.
Posicionamento conjunto da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica
Estamos vivendo uma situação sem precedentes no mundo contemporâneo com a atual pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Relatos provenientes dos países mais gravemente afetados, particularmente da China, Itália e Espanha, têm apontado os idosos (acima de 65 anos de idade) como indivíduos de maior risco para quadros graves e morte, principalmente se portadores de doenças de base, como cardiopatia, hipertensão, diabetes, doenças respiratórias crônicas e câncer. No entanto, indivíduos de todas as faixas etárias, inclusive crianças, podem ser infectados e desenvolver quadros de diferentes gravidades.
Por isso, orientações e medidas que visam evitar a propagação do novo coronavírus como a higienização correta e frequente das mãos têm sido amplamente divulgadas e devem ser realizadas. O isolamento social, no entanto, é a única medida que poderá ajudar a diminuir a velocidade da disseminação do COVID-19 e é ainda mais importante no cenário brasileiro, no qual a disponibilidade de testes de detecção do vírus é limitada e testes de imunidade (sorológicos) não estão disponíveis em ampla escala para toda a população.
A oncogenética tem em seu escopo mais de 50 síndromes de predisposição hereditária ao câncer (SPHC) distintas, que conferem ao indivíduo maior risco para o desenvolvimento de diferentes neoplasias, com acometimentos em diversos órgãos e sistemas. A identificação, por meio de painéis e testes moleculares, da variante genética causadora da síndrome no indivíduo vai permitir ações fundamentais na atenção ao paciente portador de alto risco para o câncer. Primeiro, conhecendo o gene no qual a alteração está localizada, é possível que sejam definidas estratégias de diagnóstico precoce e rastreamento por meio de exames direcionados. Segundo, é possível a definição de tratamentos de precisão, direcionados a variantes genéticas específicas, como, por exemplo, o uso de inibidores da via da PARP para pacientes com câncer de ovário portadores de variante patogênica nos genes BRCA1 ou BRCA2. Por fim, a avaliação oncogenética nos permite oferecer a portadores de certas variantes que conferem riscos excessivamente altos a possibilidade de cirurgias redutoras de risco. Nestes casos, a agilidade no diagnóstico molecular pode ser fundamental para auxiliar na definição da conduta cirúrgica.
Com base nas orientações da comunidade científica, a SBOC e a SBGM recomendam algumas estratégias na abordagem de pacientes de alto risco para o câncer ou sabidamente portadores de SPHC.
Risco de contágio e prognóstico dos pacientes infectados
De uma maneira geral, pacientes com diagnóstico de alguma SPHC apresentam o mesmo risco da população geral para se infectar pelo coronavírus. Ainda não há estudos ou relatos na literatura sobre o acometimento de pacientes com SPHC pelo COVID-19. Portanto, também não se sabe se o prognóstico de pacientes com SPHC com COVID-19 é diferente.
Desta forma, pacientes portadores de variante genética causadora da SPCH devem seguir as mesmas diretrizes gerais estabelecidas pelas autoridades de saúde para evitar o seu contágio pelo coronavírus. Além disso, tais pacientes devem ser submetidos às mesmas medidas terapêuticas recomendadas para a população geral caso tenham diagnóstico de COVID-19.
Diagnóstico de SPHC
Todos os pacientes que têm indicação de fazer o teste genético devem receber, sempre que possível, aconselhamento genético pré-teste. Neste momento, tal procedimento pode ser facilitado por recomendações provisórias que regulamentaram a telemedicina. Os testes moleculares deverão ser indicados, no cenário atual, apenas àqueles que possam se beneficiar quanto à definição de condutas terapêuticas, como utilização de tratamentos oncológicos personalizados ou condutas cirúrgicas que modificam de forma significativa o prognóstico (redução de mortalidade / aumento de sobrevida). A coleta dos testes deverá ser realizada preferencialmente a domicílio, por meio de kits de saliva, para evitar o contato com outras pessoas. O resultado deverá ser entregue pelo médico durante o aconselhamento genético pós-teste, utilizando, sempre que possível, as recomendações provisórias que regulamentaram a telemedicina.
Pacientes de alto risco por possuir histórico pessoal ou familiar sugestivo de SPCH possuem recomendação de realizar consulta eletiva de aconselhamento genético. Durante a pandemia da Covid-19, consultas eletivas devem ser, sempre que possível, postergadas para contribuir com o isolamento social da nossa comunidade. Além disso, é digno de nota que, caso seja identificada uma variante genética causadora da SPCH em um paciente de alto risco durante a pandemia, as medidas de rastreamento e prevenção podem ser prejudicadas (vide recomendações a seguir).
Exames para rastreamento de câncer
Até o momento presente, a orientação é de que devemos postergar a realização de exames de rastreamento em pacientes portadores de SPHC ou minimizá-los ao máximo até a resolução da pandemia. O risco de atrasar exames de rastreamento por alguns meses provavelmente não irá superar os riscos de ir aos serviços de saúde e ficar exposto ao novo coronavírus. É de grande importância ressaltar que isto não se aplica ao controle de lesões suspeitas previamente identificadas e que necessitam de reavaliação periódica.
Cirurgias redutoras de risco
Consideramos que a realização de cirurgias redutoras de risco deve ser, sempre que possível, postergada até a resolução da pandemia. Cabe salientar que estas orientações são válidas para todos os pacientes portadores de SPHC; no entanto, como em toda boa prática médica, alguns casos específicos exigirão decisões médicas individualizadas. Recomendamos que, sempre que possível, esses casos de maior complexidade sejam compartilhados em reuniões multidisciplinares, para que a conduta seja dirigida pelo melhor julgamento médico possível.