O isolamento social mudou o cotidiano de grande parte das famílias brasileiras. Com as pessoas permanecendo mais tempo em casa, conflitos das mais diversas naturezas passaram a fazer parte da realidade de condôminos e síndicos.
A Convenção do Condomínio e o Código Civil Brasileiro estipulam as normas que devem ser observadas pelos condôminos. “A necessidade de aprimoramento e de mudanças em algumas regras motivaram a criação do Projeto de Lei 1.179/20 que, diante da existência de lacunas decorrentes do período da pandemia, ganhou agilidade na sua tramitação e se encontra com a Presidência da República aguardando sanção”, esclarecem os advogados Fabio Milman e Rute Carolina Fernandes, sócios do escritório Rossi, Maffini, Milman & Grando.
Enquanto se aguarda pela conversão do projeto em lei, Fabio Milman explica como fica a vida durante o isolamento social de quem reside em condomínio.
Qual o papel do síndico durante a pandemia?
Tem dupla função: adotar medidas que visam a prevenção da propagação do vírus e gerir as mais diversas situações decorrentes do confinamento social dentro do condomínio. Vistoriar se a limpeza e higiene das áreas de uso comum estão adequadas; viabilizar o uso de álcool em gel na portaria e demais dependências; verificar se os prestadores de serviços e funcionários estão utilizando máscara de proteção; fixar cartazes com avisos de conscientização sobre o dever de cuidado de todos os condôminos, são algumas das medidas que evitam a disseminação do novo coronavírus. Em relação aos conflitos resultantes do confinamento, que podem ser das mais diversas naturezas, o síndico deve ser uma figura acessível e aberta ao diálogo, mesclando cordialidade e firmeza, quando necessário.
É considerada válida a assembleia virtual?
Somente se houver a previsão dessa modalidade na convenção, o que já é tendência nos condomínios novos. Para a maioria dos condomínios, no entanto, a realização de assembleia pela modalidade virtual carece de embasamento legal, problema em vias de ser superado com a aguardada sanção presidencial do Projeto de Lei 1.179/20 que, dentre outras disposições, autoriza a realização de assembleia condominial por meios virtuais em caráter emergencial, desde que a identificação do condômino seja realizada de forma inequívoca. Portanto, para condomínios que não possuem a previsão de assembleias virtuais em sua convenção, o caminho, diante da pandemia, é evitar que ocorram as reuniões presenciais, como forma de evitar a disseminação do vírus. Sendo inevitável a sua realização, deverão ser adotadas as cautelas para assegurar a saúde dos condôminos, como distanciamento interpessoal, local ao ar livre e uso de máscaras.
O condomínio pode proibir o acesso de prestadores de serviço (entregadores, marceneiros, pedreiros, entre outros) nas dependências comuns?
Não. O condomínio pode averiguar se tais prestadores de serviços estão com os equipamentos de segurança adequados, principalmente máscaras e luvas, e se o número de pessoas está compatível para a atividade a ser desenvolvida. É desaconselhável a proibição de ingresso. Em razão da pandemia, alguns condomínios, contudo, estão proibindo a entrada de prestadores de serviços, salvo daqueles extremamente necessários, que fazem a contenção de vazamentos, conserto de queda de energia ou de equipamento essencial. Já existem, inclusive, decisões judiciais para ambos os lados, ora autorizando o ingresso de prestadores de serviço para reforma ou obra em apartamento, ora proibindo sua realização. O mesmo Projeto de Lei 1.179/20, se e quando sancionado, dotará os síndicos com poderes emergenciais, dentre eles, o de restringir o uso de áreas comuns.
O condomínio pode proibir festas no salão e o uso da academia?
Os municípios têm competência para estipular as regras de restrição nas cidades em virtude da pandemia. Em Porto Alegre, por exemplo, um decreto municipal vedou o uso de salões de festas, quiosques, espaços gourmet, salões de jogos, salas de cinema, espaços de recreação e piscinas em condomínios residenciais; as áreas destinadas para a prática de atividades físicas estão liberadas com limitações e desde que observadas as regras de higiene e o distanciamento interpessoal. Essa regra vale também para o uso das demais áreas de convivência.
Quais as penalidades para quem desrespeitar as regras estabelecidas na pandemia?
O descumprimento das regras estabelecidas pelo condomínio para o período da pandemia acarretará nas penalidades previstas na convenção e/ou regimento interno, como advertência e multa, sem prejuízo das sanções previstas nos artigos 1.336 e 1.337 do Código Civil, da apuração de eventuais perdas e danos e, ainda, das sanções penais, se for o caso.
O que poderá acontecer com o morador que não pagar o condomínio durante a crise?
Embora o período seja de recessão diante da pandemia da Covid-19, é dever do condômino arcar com o pagamento do condomínio, tal como estabelecido no artigo 1.336, inciso I, do Código Civil. Iniciar os atos de cobrança em desfavor do inadimplente, embora seja uma medida lícita, requer cautela neste momento, sendo a negociação o caminho mais indicado para as partes. No entanto, inexistindo diálogo e possibilidade de composição por parte do devedor, é possível adotar as medidas de cobrança que, caso enveredem para esfera judicial, dependerão do transcurso de tempo do trâmite processual.
O que o condomínio pode fazer com morador que desrespeitar regras de convivência durante a pandemia?
O melhor caminho é o diálogo. Contudo, nem sempre é possível resolver os conflitos dessa forma. Então, caberá ao condômino incomodado noticiar o fato ao síndico, que, na qualidade de gestor, deverá tomar as medidas necessárias para a convivência harmônica e que não prejudiquem a coletividade. Se a advertência não surtir efeito, é possível a aplicação da multa prevista na convenção do condomínio. Em situações extremas, cabe, ainda, denúncia aos órgãos competentes, no caso, a Delegacia de Polícia Civil, que irá lavrar um boletim de ocorrência de acordo com a conduta praticada. Dependendo da gravidade, poderá deslocar uma viatura para verificação do fato. Há, por fim, a possibilidade de responsabilização civil do condômino incômodo, tal como previsto nos artigos 186 e 927 do Código Civil brasileiro, daí resultando em necessidade de provocação ao Poder Judiciário que poderá, inclusive, se for o caso, conceder decisões liminares.